Quando comecei, o caminho era
outro, mas o destino levou-me antes a percorrer este. Se no início estava
alegre e queria celebrar o Amor, agora rendo-me à tristeza de a vida continuar
a adiar os meus sonhos, teimando em quebrar o meu entusiasmo que perece de
cansaço. E eu tento e tento, mas as forças escapam-se-me entre os dedos.
Lágrimas, que fazem aqui sem
terem sido convidadas? Voltem para o canto onde vos escondi de olhares
amargurados e tristes. Esqueçam que eu existo e mudem-se de almas e bagagens
para outra morada! Não é um conselho, é uma ORDEM! Dei-vos já guarida por tempo
demais. Não vos quero mais aqui.
As palavras afagam, sim, os
sonhos acalmam a alma, sim, mas têm uma duração limitada. Cedo, pouco depois,
as nuvens negras tendem a instalar-se e a tomar conta deste barco com um rumo
condicionado, lento. “Paciência”, diz o meu coração, como se já não conhecesse
a minha história. Há quanto tempo já eu espero? Há quantos anos, quais séculos
de eternidade…?
Parto os vidros da janela para tentar respirar. O sufoco é forte
demais!
Chuva e vento. O ar carregado de poluição, de um passado de mágoas que
pesam no coração.
Mas, ao fundo, vejo uma luz forte, quente, colorida que me chama,
mesmo sem saber o meu nome, mesmo sem saber quem eu sou. E, no entanto, sabe
bem, conhece-me desde sempre. É uma energia igual à minha, com os mesmos
anseios e os mesmos desejos, uma alma perdida também. Uma alma estranhamente familiar
que me atrai como se me hipnotizasse com fragrâncias adocicadas.
Tenho que segui-la! Tenho que vê-la de mais perto! Não posso estar
mais neste quarto cinzento de poeiras fantasmagóricas. Visto a capa vermelha e
desço as escadas apressadamente. A minha vida pode depender desta derradeira
viagem, desta nova descoberta. E corro, corro desalmadamente, como quem busca a
vida que me rejeita e me empurra para as garras da morte.
Mas quando chego, a tal luz desapareceu. Olho em volta e não a vejo
mais. As lágrimas que tentei arrumar a um canto voltam. Perseguiram-me até ali,
na esperança de se apoderarem novamente de mim e choro! Choro de raiva, de
revolta e grito e derrubo as caixas que madeira cheias de peixe, dos pescadores!
Tudo ali, espalhado e eu no meio dos peixes que ainda abrem as bocas à procura
do ar que já não respiram. Eu, tal como eles, sinto-me quase sem vida e
encolho-me, em posição fetal, na esperança que essa dor desapareça, enquanto a
morte assiste a esta cena, sorridente, delirante, à espera que morra para me
levar.
Mas, de repente, algo de inesperado acontece. A luz regressa, detrás
da esquina de uma fábrica. Inquieta, incerta e insegura dos seus passos. Mas,
ainda assim, aproximando-se sempre mais. A morte, essa, assiste à cena com ódio
no olhar, receando perder o seu precioso petisco.
A luz aproxima-se e analisa-me atentamente, minuciosamente, até que
solta um sorriso terno e confiante. De um momento para o outro, e quando já
tinha perdido as esperanças e as forças, esta luz que me conhece, mesmo sem
saber nem como nem porquê, sabendo já de antemão o que deve fazer, envolve-me em
raios de arco-íris, cheios de suavidade e encantamento. E sinto-me como uma
árvore, coberta de capas de folhas verdes e tenras que me protegem; uma árvore que,
saída de um inverno rigoroso, regressa revigorada e pronta a florescer, numa
manhã doce e solarenga.
A morte, por esta altura, já desistiu - foi procurar outras presas
noutras paragens cinzentas e paradas. Aqui, agora, vigora a Vida, a Esperança,
a Luz e a Cor.
É então que, finalmente, desperto
deste sono sombrio e angustiante, como se de um sonho se tratasse.
Abro os olhos e vejo os teus…
Azuis de mar, azuis de céu, do céu infinito e que tudo alcança e, como
se regressasse do mundo dos mortos, o meu peito que até ali estava vazio,
enche-se de um fôlego de ar. Um ar que cura, um ar que cicatriza.
E sei, naquele momento, que posso respirar de alívio pois nada mais me
irá perturbar – estou segura e em Paz.